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As ambições nacionais da elite do agronegócio

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As manifestações do dia 7 de setembro, que levaram às ruas centenas de milhares de apoiantes do presidente Jair Bolsonaro, tinha todos os elementos constitutivos da extrema direita brasileira: a mobilização digital pelas redes sociais, essencial para a emergência e consolidação do bloco desde os protestos de junho de 2013, as incessantes referências internacionais, tanto a causas como a lideranças, e a sua peculiar composição social. Afinal, ao contrário de muitos movimentos de extrema direita que surgiram ao redor do mundo depois da crise financeira de 2008, o bolsonarismo é constituído pela elite brasileira, branca, idosa e saudosa do regime militar iniciado pelo golpe de 1964. 

A esses elementos já bastante conhecidos do movimento bolsonarista se soma outro, cada vez mais importante, mas ainda pouco estudado: o agronegócio. A emergência do agronegócio como ator-chave da economia nacional precede a eleição de Jair Bolsonaro. As suas origens remontam à Revolução Verde dos anos 1970 e, mais recentemente, à política de generosos subsídios do governo Dilma Rousseff, que acelerou o processo de modernização do setor num momento favorável da conjuntura internacional. 

Num Brasil em processo acelerado de desindustrialização, o setor acabou assumindo uma relevância cada vez mais em Estados ricos como São Paulo e no interior do país. Embora seja corretamente descrito como um setor intrinsecamente extrativista e predatório, sobretudo do ponto de vista ambiental, o agronegócio não pode ser visto somente como uma nova etapa do “Brasil fazenda”. Toda uma economia de serviços se organizou em torno da indústria do agronegócio, que também está na vanguarda da inovação científica e tecnológica. O contraste entre o dinamismo do Centro-Oeste e das outras regiões é reforçado pelo contexto de marasmo econômico que caracteriza o resto do Brasil. Na imprensa, o agronegócio é quase anualmente apresentado como o “salvador do PIB”.

o agronegócio desembarcou em peso na política nacional, apoiando não apenas políticas bolsonaristas, mas alimentando os canais da extrema direita das redes sociais e participando ativamente nas manifestações

Ironicamente, a identidade política do agronegócio se afirmou na oposição à presidente que o ajudou a mudar de dimensão econômica. O movimento a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff despertou novas ambições políticas para o setor. Os seus líderes industriais nunca haviam se organizado tão claramente em torno de um único candidato como Jair Bolsonaro. A partir de 2018 o agronegócio desembarcou em peso na política nacional, apoiando não apenas políticas bolsonaristas muito além do Centro-Oeste, mas alimentando os canais da extrema direita das redes sociais e participando ativamente nas manifestações – o público de Brasília no 7 de setembro era, na sua grande maioria, oriundo dos Estados do Centro-Oeste. Nessa ocasião, pela primeira vez, empresas do agronegócio foram acusadas de apoiar financeiramente os grupos mais radicais dentro do bolsonarismo, levando o STF a bloquear as contas da Aprosoja. O episódio mostra que o setor mudou de patamar. Ele não quer mais apenas defender os seus interesses setoriais; ele pretende perpetuar o seu controle sobre a política nacional. 

Essa nova ambição pode ser identificada no universo cultural do Centro Oeste, e em particular no Sertanejo, estilo de música local com popularidade nacional, que passou a narrar a ascensão do agronegócio a partir de 2018. As músicas contam a história da busca pelo reconhecimento do Centro-Oeste contra as elites litorâneas do Rio de Janeiro e São Paulo. Ela insiste na resistência dos interesses estabelecidos, um tema muito comum do bolsonarismo, ao dizer, por exemplo, que “a gente lança moda sem tar na TV”.

Não é mais o país do carnaval
No mundo inteiro é respeitado
O Brasil agora é o país do agro

ADSON E ALANA - PAÍS DO AGRO

O agro já projeta a sua força muito além do Centro Oeste. Investidores do agronegócio dominam novos investimentos no imobiliário de cidades como São Paulo e Belo Horizonte. Cidades como Cuiabá e Goiânia contratam serviços e pessoal outrora indisponíveis para trabalhar fora da região Sudeste. Se a Faria Lima, como é conhecido o universo do mercado financeiro de São Paulo, gosta de ostentar os seus empreendedores e “startupeiros” são os anônimos traders de commoditties que fazem girar as máquinas. 

A história de uma elite extrativista que alimenta ambições nacionais não é novidade. O Estado do Texas, nos Estados Unidos, para citar apenas um exemplo, passou a exercer um poder político muito maior quando o petróleo começou a desempenhar um papel importante na economia. Todos se lembram da família Bush usando orgulhosamente as botas texanas nas eleições presidenciais. Experiências passadas também nos ensinam sobre a resiliência e versatilidade das regiões extrativistas. O agronegócio precedeu Bolsonaro e vai sobreviver ao seu mandato. Embora a sua cultura seja um elemento importante do bolsonarismo atualmente, o pragmatismo impera entre os seus líderes industriais. 

Outro elemento importante para o futuro da elite do agronegócio é a disputa interna entre agentes predadores e progressistas. Potencializada pela intensa procura da China, uma maioria dos líderes industriais aposta na maximização da extração de recursos através do apoio a políticas que assegurem um ambiente de restrições minimalistas e, ao mesmo tempo, do investimento em massa em grandes projetos de infraestrutura em aliança com multinacionais, à imagem da Ferrogrão. Para essa elite, os erros do governo Bolsonaro, inclusive na relação com a China, não são nada ao lado da proteção que ele oferece contra as pressões internacionais, e sobretudo da União Europeia. A sabotagem do acordo entre a UE e o Mercosul, por exemplo, deve-se em parte a essas elites, que viam com maus olhos uma maior integração entre o Brasil e a região do mundo mais atenta à emergência climática.

Outro elemento importante para o futuro da elite do agronegócio é a disputa interna entre agentes predadores e progressistas

Outra elite, mais atenta aos efeitos de longo prazo da atual política, acompanha os movimentos bolsonaristas com apreensão. Para a elite progressista do agronegócio, o atual ciclo da proteína está ameaçado pelas novas exigências dos mercados dos países desenvolvidos e pelas inovações no mercado global de alimentação. O instinto predatório do agronegócio sob Bolsonaro pode, na visão desse grupo ainda minoritário, ter consequências dramáticas a partir de 2030. Os rumos do agronegócio e, por extensão, do Brasil, dependem em grande parte dos embates internos da sua nova elite.

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC.

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Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC.